30 outubro 2011

Melhorando a qualidade de vida sem esquecer os ambientes naturais.


Por Daniel de Granville

Touch screen, iPad, televisão 3D, smartphone. O ritmo de surgimento de aparelhos fascinantes utilizando as mais modernas tecnologias para facilitar nossa vida é impressionante. Porém, de norte a sul do Brasil, em regiões remotas e pouco conhecidas, um outro tipo de tecnologia vem se firmando como uma alternativa não apenas para facilitar, mas para possibilitar que as pessoas vivam lá: são as chamadas “tecnologias sociais”.

O conceito é simples, bem menos complicado do que os circuitos eletrônicos de um celular. O termo “tecnologia social” refere-se a produtos, técnicas ou metodologias geralmente de baixo custo, simples e desenvolvidas a partir de demandas indicadas pelas comunidades envolvidas. Elas devem ser facilmente replicáveis e representar a possibilidade efetiva de causar transformação social. Alguns bons exemplos, detalhados a seguir, permitem uma melhor compreensão do assunto.

O Vale do Jequitinhonha, no Nordeste de Minas Gerais, durante muito tempo foi conhecido como “Vale da Miséria”, por deter alguns dos piores indicadores socioeconômicos do país. A distância dos grandes centros, a aridez e a falta de oportunidades de trabalho transformaram a região em um pólo emissor de mão-de-obra sazonal para trabalhar no corte de cana-de-açúcar no Sudeste do Brasil. O Projeto “Arassussa: Araçuaí Sustentável” desenvolveu e aplicou na região várias tecnologias sociais – algumas criadas lá mesmo – que trouxeram efetiva melhora na qualidade de vida e oportunidades para a população local. As técnicas simples e sustentáveis da permacultura, as oficinas de produção de brinquedos reaproveitando materiais descartados recicláveis, o aprendizado através de atividades cotidianas como a brincadeira e a culinária, a produção de artesanatos e móveis utilizando terra e rejeitos como sucata ou restos de madeira são alguns exemplos. Hoje, a realidade na região está se transformando, graças a estas ações. As comunidades encontram oportunidades e condições para permanecerem em seus locais de origem com a perspectiva de uma qualidade de vida melhor.

No mesmo Estado, outro projeto também aplica tecnologias simples, de baixo custo e fáceis de replicar, permitindo a melhoria das condições de vida das comunidades. É o Projeto Barraginhas, idealizado e coordenado pelo engenheiro agrônomo Luciano Cordoval, da Embrapa. O projeto atua na construção de dois tipos de estruturas para retenção de água de chuva: as barraginhas propriamente ditas, espécie de açude que retém o excedente de água e a libera gradualmente para o lençol freático, e as lagoas de uso múltiplo, com fundo impermeabilizado por lonas plásticas, permitindo o uso da água na piscicultura, por exemplo. O principal objetivo é direto e básico: melhorar a disponibilidade de água nas regiões do semi-árido e do Cerrado brasileiros, reduzindo o êxodo rural. O custo de construção não passa de R$ 200 por barraginha, considerando que uma hora de uso do maquinário gira em torno de R$ 60 a R$ 100 por hora e que duas horas são suficientes para finalizar o trabalho. Até hoje o Projeto Barraginhas construiu mais de 80 mil unidades em Minas Gerais e no Piauí.

Já no Nordeste do Pará, em plena Amazônia, a falta de água não é um problema, mas é grande a necessidade de promover o desenvolvimento das populações em harmonia com o ambiente natural. Este é o objetivo do Projeto Casa da Virada, desenvolvido pelo Instituto Peabiru. Através de trabalhos como promoção do ecoturismo, com capacitação de monitores ambientais para zelarem pelo meio ambiente e conduzirem grupos de visitantes, o Casa da Virada transforma a realidade na região de Curuçá. A meliponicultura (criação de abelhas nativas para produção de mel e outros derivados) também desponta como uma ótima alternativa. João Meirelles Filho, presidente do Peabiru, reforça o caráter sustentável da atividade. “Para manter as colmeias e produzir o mel, é fundamental proteger as florestas dos arredores, e os moradores de Curuçá que participam do Projeto entenderam isto. Além do mais, as abelhas auxiliam na polinização destas plantas, gerando um ciclo onde todos são beneficiados: as próprias abelhas, o homem e a floresta”. Ciência também faz parte do Projeto. Em parceria com o renomado Museu Paraense Emilio Goeldi, pesquisas científicas são desenvolvidas nas regiões abrangidas pela Casa da Virada. Dentre os resultados mais expressivos, destaca-se a descoberta pelos pesquisadores de um novo tipo florestal nunca antes descrito pela ciência: a Mata Amazônica Atlântica, que apresenta características e elementos destes dois biomas brasileiros.

Um ponto em comum une todos estes exemplos de projetos que, das formas mais variadas, envolvem tecnologias sociais: o caráter socioambiental das ações, ou seja, a preocupação de que o desenvolvimento humano e a melhoria da qualidade de vida estejam sempre atrelados à proteção dos ambientes naturais. É certamente a melhor expressão do tão propalado termo “desenvolvimento sustentável”, sobre o qual muito se fala, mas nem sempre se consegue efetivamente aplicar.