27 maio 2011

"Os motivos para a minha saída não são sólidos", diz Yunus

Em visita ao Brasil, Nobel da Paz conta os bastidores de sua saída do banco que criou, rebate críticas ao microcrédito e revela quais são seus planos para o futuro
Por Elisa Campos

Muhammad Yunus, conhecido como o "banqueiro dos pobres"O bengalês Muhammad Yunus ganhou fama internacional e um prêmio Nobel da Paz por seu trabalho com microcrédito. Economista de formação, Yunus deu início em 1976 ao projeto que levaria à criação do Grameen Bank, hoje o banco de microcrédito mais famoso e imitado do mundo. No último dia 13 de maio, após 35 anos, Yunus foi obrigado a deixar o banco que criou, depois de perder uma batalha judicial contra a determinação do governo de Bangladesh para que se afastasse do comando da instituição. Em visita ao Brasil para participar do IV Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, em Belo Horizonte, o Nobel da Paz contou os bastidores de sua queda, rebateu críticas ao microcrédito e revelou quais são seus planos para o futuro.

O Grameen Bank, gerenciado por Yunus, tornou-se um modelo mundial para a concessão de microcrédito. A instituição, que concede empréstimos de valor reduzido a pequenos grupos de baixa renda, em sua maioria quase absoluta de mulheres, desembolsou cerca de US$ 10,6 bilhões a 8,3 milhões de pessoas desde sua criação. O desempenho do banco rendeu ao economista a alcunha de ‘Banqueiro dos Pobres’ e bastante prestígio, o que muitos apontam como a real razão para sua saída do Grameen.

O governo de Bangladesh, encabeçado pela primeira-ministra Sheikh Hasina Wajed, determinou em fevereiro deste ano o afastamento de Yunus da presidência do banco por ele, aos 71 anos, ter ultrapassado a idade de aposentadoria compulsória da instituição, de 60 anos. O banqueiro foi aos tribunais lutar contra a decisão, mas a Suprema Corte do país deu ganho de causa ao governo.

A relação entre a primeira-ministra bengali e Yunus começou a se deteriorar quando, em 2007, o economista anunciou que fundaria um partido político. Dois meses depois, o economista recuou da decisão, porém o imbróglio deixou marcas. No final do ano passado, Sheikh chegou a chamar publicamente os bancos de microcrédito de “sugadores do sangue dos pobres”.

“Em 2007, eu cheguei a falar que fundaria um partido político, mas pouco depois me dei conta de que esta não é uma coisa que eu gostaria de fazer. Em Bangladesh, muitas pessoas me admiram, eu tenho acesso fácil e o apoio de muitos, porém não tenho qualquer intenção de iniciar uma carreira política. Talvez tenham medo de que eu mude de ideia. Políticos mudam de ideia muito rápido, mas eu não sou um político”, diz Yunus. “Os motivos para a minha saída não são sólidos. As pessoas ainda estão confusas em relação a tudo o que aconteceu”.

A primeira-ministra bengali não está sozinha em suas considerações quando o assunto é microcrédito. A modalidade de empréstimo tem sido alvo de críticas em outras partes do globo, depois de uma série de problemas registrados no México e especialmente na Índia, onde estaria ocorrendo uma onda de suicídios de mulheres, incapazes de honrar suas dívidas. Segundo informações da BBC, mais de 80 indianos teriam se suicidado, nos últimos meses de 2010, no estado indiano de Andhra Pradesh, responsável por 50% do microcrédito do país, após terem se tornado inadimplentes.

Yunus, no entanto, não concorda com a correlação entre os suicídios e os problemas de inadimplência. “Sempre houve o suicídio de mulheres, seja por razões de saúde, seja por motivações familiares, ou outros motivos. Porém, de fato, ocorreram problemas localizados na Índia e no México. O objetivo do microcrédito é ajudar as pessoas a superarem a pobreza e não lucrar a partir disso. Alguns grupos, no entanto, quiseram fazer isso, chegando inclusive a lançar IPOs”. O economista defende que há uma clara distinção entre as operações de microcrédito e os chamados shark loans, termo associado à figura de agiotas. “Se a intenção é séria, os juros precisam ser baixos. O ideal é que a taxa seja o custo de captação mais 10%. Quando esse ganho está entre 10% e 15%, acendemos a luz amarela. Acima de 15%, estamos numa zona vermelha”.

Futuro

Fora do Grameen Bank, Yunus pretende agora se dedicar a seus projetos de social business, ou seja, negócios sem fins lucrativos. Nas palavras do banqueiro, “negócios que não dão prejuízo, nem tampouco rendem dividendos, pensados e desenvolvidos para resolver problemas sociais”. O eventual lucro conseguido pelas empresas nesse modelo é usado ao longo dos anos para pagar o investimento inicial. O banqueiro já desenvolve diversos projetos do gênero, tendo como parceiros multinacionais como a Danone e a Basf. No caso da Danone, por exemplo, a companhia investiu para criar uma fábrica que produzisse iogurte contendo os 12 principais nutrientes em falta nas crianças desnutridas de Bangladesh por um preço reduzido.

Brasil

Em sua visita ao Brasil, nesta quarta-feira (25/05), Yunus também se encontrou com a presidente Dilma Roussef para discutir as políticas de microcrédito e compartilhar sua experiência no tema. “Esperamos que o microcrédito se consolide no Brasil. A necessidade existe, mas é preciso ainda que ele se desenvolva de maneira mais robusta”, afirma o economista. “Se o Brasil fizer algo importante, as pessoas vão olhar. Haverá um impacto mundial”.

Apesar de dizer que tem interesse em desenvolver projetos no Brasil, o banqueiro ainda não tem nenhum plano em andamento. Mesmo assim, ele enfatiza a importância da batalha contra a desigualdade social. “Programas de transferência de renda [como o Bolsa Família] são necessários, mas não deveriam ser permanentes. Tirar as pessoas da situação onde elas se encontram é preciso. E isso nunca é feito, porque é realmente difícil. Países europeus, como o Reino Unido e a Alemanha, têm histórias de famílias que estão na quarta ou quinta geração recebendo dinheiro dos programas de transferência de renda”. Para mudar essa realidade, entram em cena o microcrédito e o social business, defende Yunus, fora do banco, mas ainda no jogo.

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