http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/11/23/upps-nao-encerram-trafico-nas-comunidades-e-deveriam-ser-implantadsa-na-zona-oeste-do-rio-defendem-especialistas.jhtm
As UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) já implantadas pelas forças de segurança do Rio de Janeiro devem ajudar a diminuir a violência nas localidades abrangidas, mas estão longe de por um fim ao tráfico --além de não contemplarem a região com as maiores taxas de homicídio e de presença de milícias da capital fluminense: a zona oeste.
A avaliação foi feita por pesquisadores em violência de duas das maiores universidades do Rio, a Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Federal (UFRJ).
Para o pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Uerj, Inácio Cano, as 19 UPPs já instaladas pelo governo nas zonas norte (onde estão 11 delas) e sul auxiliarão no combate à violência, ainda que, avaliou, “o tráfico vá continuar nas áreas pacificadas”.
“As UPPs seriam muito válidas em áreas realmente violentas, como zona oeste e Baixada Fluminense, onde os níveis de violência são mais altos que as regiões que receberam as unidades. Para tipos de criminalidade mais baixos, a UPP não compensa”, destacou.
Na avaliação de Cano, outra meta que precisa ser buscada pelo Estado é a “redução da letalidade policial no conjunto”. “Nossa realidade não é só a Rocinha, mas uma velha realidade”, resumiu.
"Tráfico por delivery, com agenda"
O coordenador do departamento de Sociologia da UFRJ, Michel Misse, também apontou a necessidade de UPPs na zona oeste, onde, segundo ele, o apelo turístico é menos forte que a zona norte –ali está, por exemplo, o estádio do Maracanã –e na zona sul, áreas mais visadas para as Olimpíadas de 2016 e a Copa de 2014.
“Há que se combater as milícias na zona oeste, muito mais sérias e mais perigosas para o Estado de Direito do que os cinturões que se fecharam com as unidades das duas regiões. A taxa de homicídios é muito maior na zona oeste, e onde os agentes públicos atuando em milícias também são em volume sabidamente maior”, apontou.
Misse salienta que o problema não é de solução rápida --“é algo que se consolidou em 30 anos”, observou.
“O que se quer com as UPPs atuais é impedir que traficantes controlem as comunidades por meio de armas, mas o tráfico vai continuar de outra maneira –não sei se tão visível, mas com agenda e delivery, que é o que já acontece”, disse.
Na opinião do estudioso, um meio mais efetivo de as UPPs já implantadas surtirem efeito a médio e longo prazos é pela aproximação entre policiais e comunidade. “Tem que ser uma polícia que se aproxime dos moradores, que ganhe o respeito deles. É isso que vai garantir que se faça um trabalho nessas áreas; uma polícia que os defenda, não que os ataque –mas, para isso, não pode ceder à corrupção e tem que ser aliada de políticas para a juventude”, concluiu.
As próximas UPPs estudadas pelo Estado deverão ser implantadas na Maré e em Manguinhos, ambas localizadas na zona norte do Rio.
Ocupações na Rocinha: 1988 x 2011
Os dois pesquisadores também analisaram a última ocupação da Rocinha em comparação com a de 1988. Naquela, a ação contra o tráfico resultou em uma forte ação armada da polícia e na morte do principal traficante da comunidade, Robson da Silva, o Buzunga.
Na época, a polícia ocupou a favela perto das 4h do dia 1º de junho, em 155 homens e armas pesadas, helicópteros e cães. Menos de 50 pessoas foram presas, boa parte liberada no mesmo dia. As drogas apreendidas somaram pouco mais de 20 kg de maconha e menos de 100 papelotes de cocaína, além de armas.
Além da morte de Buzunga, a operação em 1988 ainda prendeu de Eliseu de Freitas, conhecido como Cabo Eliseu, ex-PM acusado de servir como segurança dos traficantes.
Na ocupação atual, para instalação da 19ª UPP da cidade, o então chefe do tráfico na Rocinha, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, foi preso dias antes da ação policial ao tentar fugir da favela dentro do porta-malas de um Corolla preto. Na operação, que aconteceu também nas favelas vizinhas do Vidigal e da Chácara do Céu, não houve tiros e mais de 120 armas --a maior parte, fuzis --foram apreendidas, assim como mais de 350 kg de drogas, 23 mil munições, 148 explosivos e 510 carregadores.
“A política em 1988 era fortemente repressiva; a ideia do então governador Moreira Franco era acabar com a violência em seis meses. E não só não acabou, como ainda as taxas de homicídio chegaram aos níveis mais altos”, disse Michel Misse, da UFRJ. “Agora, o que se quer é impedir que traficantes controlem, através das armas, o território, e há um projeto que busca a integração com uma política social –desde 1999 a preocupação vem nesse sentido”, afirmou.
Para Inácio Cano, da UERJ, a operação atual teve "planejamento". “Ainda que na ação em Antares tenha havido quatro mortes, na ocupação da Rocinha não houve nada do tipo; houve planejamento. Ainda assim, como o tráfico continua mesmo nas áreas pacificadas, o desafio é reduzir a letalidade policial. Porque o inimigo não é tão poderoso assim”.