http://viatrolebus.com.br/2013/12/resposta-aberta-a-revista-epoca-sao-paulo/
A revista Época São Paulo do mês de dezembro traz um especial sobre
mobilidade em que questiona a construção de uma série de corredores exclusivos
de ônibus em São Paulo. O site “
Cidade Para
Pessoas” divulgou uma carta-aberta em resposta à reportagem,
divididas em quatro pontos:
1. O que é dar certo?
A resposta para essa questão depende
do que e como está sendo medido e
de
quanto tempo a ideia teve para ser testada.
Na década de 70, por exemplo, uma série de ciclovias foi construída na cidade
de Copenhague, ocupando espaço dos carros. O trânsito dinamarquês, que já era
intenso, ficou pior durante alguns anos, até que as opções de mobilidade
começaram a ser questionadas pelos usuários e mais gente optou pelas bicicletas.
“Demorou cerca de 10 anos para que essa democratização das vias se convertesse
em menos trânsito e mais gente se locomovendo com qualidade”, diz o urbanista
Jeff Risom, do Gehl Architects.
Em meados dos anos 2000 o prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa foi massacrado
pela opinião pública e imprensa locais porque tirou faixas dos carros para criar
corredores de ônibus no sistema de BRT. Anos depois foi convidado a integrar o
time de consultores do ITDP e é ovacionado pela democratização da mobilidade que
promoveu na capital colombiana.
Em 2010, a cidade de São Francisco inaugurou seu primeiro parklet, uma
estrutura de madeira que transforma uma vaga pública de estacionamento de carros
em um espaço público para pessoas. A imprensa local e os moradores do bairro do
parklet foram contra a medida, que lhes “roubava” uma vaga de estacionamento.
Hoje o modelo conquistou a cidade e o único congestionamento gerado foi entre os
concorrentes para os editais de construção de novos parklets.
A chamada de capa da Época São Paulo se propõe a explicar
por que a ideia
deu errado.
A ideia à qual se refere a revista é a construção de 300 quilômetros
de corredores exclusivos para ônibus, que levam a maioria das pessoas, em uma
cidade com 17 mil quilômetros de vias. Claro que a medida não está imune a
erros. Há uma porção de falhas na implementação das faixas a ser apontada e é
papel do bom jornalismo fazer isso. Mas o período de menos de um ano está longe
de ser suficiente para determinar que a medida deu errado, especialmente em uma
cidade com a escala de São Paulo.
2. Dados imprecisos ou mal combinados levam a conclusões
equivocadas
Logo no início da reportagem, a revista afirma “a carência de outras
modalidades obriga 75% da população a andar de ônibus – um número tão alto
quanto inadequado”. O dado está impreciso. Em São Paulo, de acordo com a última
pesquisa Origem e Destino (de 2007), 38,42% dos deslocamentos são feitos de
transporte público, sendo a maioria de ônibus. Esses 75% devem se referir às
pessoas que andam
também de ônibus, de forma integrada a outros meios de
transporte. Mas é usado de forma imprecisa, além de não ter sua fonte citada. E,
ainda que estivesse correto, o fato de tanta gente andar de ônibus não deveria
ser um argumento a favor dos corredores? Outra coisa: ter um número alto de
pessoas andando de ônibus não é ruim. Em Londres, por exemplo, 11% dos
deslocamentos são feitos de metrô e 22% (o dobro) de ônibus, quase empatado com
os deslocamentos a pé, que somam 21%.
“Não adianta aumentar a velocidade de um sistema ineficiente”, diz o
urbanista Flamínio Fichmann em uma aspa em destaque. Fato: o sistema de ônibus
de São Paulo não é confortável nem eficiente. Mas dar mais espaço aos ônibus não
é justamente aumentar a eficiência do sistema?
“A frota de ônibus paulistana passou a receber um tratamento VIP em dezenas
de avenidas. Ocupa com exclusividade o espaço antes dividido com motos, carros e
taxis”. Tratamento VIP? Em 2010, o engenheiro de trânsito Horácio Figueira, com
base na pesquisa Origem e Destino, estimou que os carros, que levavam 20% das
pessoas, ocupavam 80% do espaço das vias. Trata-se, portanto, do fim do
tratamento VIP que a minoria das pessoas tinha em São Paulo: ocupando a maioria
dos espaços das ruas.
A questão é: isso está fazendo de maneira estratégica ou demagoga? Essa
pergunta levantada nas entrelinhas da reportagem é legítima e deve ser colocada
em pauta. Infelizmente, a sensação que o texto nos dá é que uma série de dados
foi reunida para apoiar uma tese pré-estabelecida – a de que a ideia deu errado.
Por exemplo ao citar a pesquisa por uma parceria entre o Ibope e a Rede Nossa
São Paulo feita em setembro desse ano que aponta que 69% dos paulistanos acham o
trânsito da cidade péssimo. Paulistanos acham o trânsito da cidade péssimo há
anos, essa percepção não foi resultado dos corredores, ao contrário do que induz
a reportagem. Aliás, essa mesma pesquisa aponta que 93% dos paulistanos apoiam
os corredores de ônibus em construção.

É verdade que o Ibope levantou, também, que 43% dos moradores da cidade
perceberam uma piora no trânsito após os corredores. Eu sou uma delas. Mas não
deixo de apoiar a medida, nem de estar disposta a conviver com essa transição,
que leva tempo.
Um ponto importante em que a revista toca é a má distribuição das linhas de
ônibus. “As faixas exclusivas da avenida Sumaré, por enquanto, registram apenas
30 veículos a cada 60 minutos. Eles andam rápido mas levam pouca gente”. Como os
ônibus pegam mais trânsito fora dos corredores, há casos em que estão demorando
mais tempo para chegar ao destino. Perfeito: temos aí um problema claro e bem
diagnosticado. A questão é: queremos resolvê-lo aumentando a rede de corredores
exclusivos ou decidindo que a ideia deu errado, abandonando-a e voltando à
estaca zero?
3. Mobilidade não se resolve com mobilidade
São Paulo tem empregos concentrados no centro e pessoas morando em excesso
nas periferias, e é a correção desse desequilíbrio que aliviaria a pressão nos
sistemas de transportes públicos e particulares. Na única parte propositiva da
reportagem, as soluções apontadas são lineares e simplistas: sistemas de BRT,
pedágio urbano e transporte sobre trilhos. Nada disso ataca o desequilíbrio
físico da cidade. Há um ítem que prega o “adensamento dos bairros” e diz que
“aproximar o emprego da moradia é uma maneira de evitar deslocamentos”.
Perfeito. Seria um bom ponto de partida para dar conta da complexidade da
questão.
4. Mobilidade não é futebol
É difícil escapar da armadilha de polarizar o debate da mobilidade – carros x
ônibus, corredores x BRT, metrô x VLT. Cair nessa armadilha é quase como
discutir futebol e tentar argumentar qual o melhor time, o melhor esquema
tático, o mais talentoso, etc. A diferença central é que no futebol, apenas um
time ganha. Na mobilidade, ao contrário, sai vitoriosa a cidade que sabe
combinar várias opções, para que as pessoas possam escolher o melhor meio de
transporte a cada situação.
Eu sou a favor da construção de corredores de ônibus porque eles são um passo
nesse sentido. Não se trata de defender um modal em detrimento do outro ou
cercear a liberdade de ir e vir das pessoas. Muito menos de crucificar os
carros, um meio de transporte legítimo como qualquer outro. Trata-se de
democratizar a mobilidade, reservando a maioria do espaço para a maioria das
pessoas.
*essa carta também é assinada pel’oGangorra.